A exposição Comedores de Rosas, ides beber da Lua! reúne pela primeira vez um conjunto significativo de trabalhos da Fundação Leal Rios fora da sua sede em Lisboa. Comprometida com o legado da arte Conceptual através de trabalhos que materializam a tríade espaço, tempo e corpo, a fundação é uma das poucas colecções de relevo em Portugal que colocam em primeiro plano uma postura curatorial que define com rigor um projecto coleccionista e de conservação para as obras de arte. Colocando trabalhos em novos contextos, prolongamos a sua vida; desta forma, a exposição é ancorada no princípio de que a arte nunca é verdadeiramente completa, mas permanece sempre num processo de construção, uma actividade que exige a participação de artistas, curadores e públicos. Trabalhos produzidos por artistas portugueses consagrados e emergentes são contextualizados por obras de arte criadas pelos seus pares internacionais, sugerindo um ecossistema global da arte em contínua evolução. A tarefa de mostrar uma colecção de arte contemporânea viva e em crescimento é condicionada em proporções semelhantes pelas obras que são seleccionados, por aquelas que ficam de fora e, claro, pela figura do coleccionador. Uma exposição com estas características é de alguma forma devedora da ideia do palimpsesto, repetidamente inscrito por mãos diferentes. O título da exposição é retirado de um poema de Rainer Maria Rilke e é indicativo de uma expansão da percepção para além do domínio da visão, no sentido da sensação corporalizada. Na nossa perspectiva, a arte contemporânea vive tanto de ideias intelectuais como de sensações pessoais e atmosféricas. A exposição é construída a partir das disciplinas centrais da colecção, todas elas associadas ao conceito de performatividade — instalação, performance, imagem em movimento e som —, para apresentar uma coreografia espacial que se completa com o trabalho da audiência. Comedores de Rosas, ides beber da Lua! substitui a contemplação silenciosa ou a interpelação intelectual rarefeita por um ambiente imersivo de artefactos que se acotovelam uns aos outros, em acções que oscilam entre o diálogo e o conflito, uma atitude evocativa da abordagem enciclopédica à cultura como repositório de incontáveis recombinações que apostam em manter todas as peças em cena. Não há, por assim dizer, uma intenção final; o significado de cada trabalho, ainda que possa ser inferido, está sempre à espera de ser determinado pelo acto de percepção. A performatividade é, então, uma forma de actuar que pressupõe a co-criação de realidades. O historiador Norman M. Klein refere-se a uma imersão em espaços encenados, desenhados para destacar o percurso do espectador — o espaço através do qual este entra na narrativa. Consequentemente, Comedores de rosas, ides beber da Lua! divide a galeria em três espaços principais que sugerem narrativas possíveis. O hall de entrada atrai os visitantes para a exposição através do som, não da visão. O som reverbera por todo o espaço, estimulando a curiosidade do público, um estratagema utilizado ao longo da exposição para criar pontos de atenção e como mecanismo equalizador — tal como numa biblioteca, produzindo um gentil murmúrio que eleva o som ambiente —, para dar textura às superfícies angulares da galeria recém-construída. A primeira zona é dominada por uma grande plataforma, pintada de verde camuflado onde podemos encontrar algumas esculturas rodeadas por monitores vídeo e imagens emolduradas. A plataforma funciona como uma «ilha» flutuante que oferece um espaço comum a trabalhos aparentemente distintos; uma ilha que, de alguma forma, é reminiscente do ideário incerto da utopia, no qual modelos e propostas congeminam entre si a criação de novos mundos. O espaço central utiliza um arranjo mais generoso para reunir obras de arte que tiram partido da abstracção e redução progressiva para pôr em foco o acto de percepção em si mesmo. O espaço final aprofunda as sombras, do metafórico à experiência física e apresenta uma série de tableaux teatrais parcamente iluminados nos quais convergem questões de escala, ilusão e atmosfera.